quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Os efeitos da quebra do sigilo fiscal da família de José Serra

Ai, ai, ai, a cada novo dia me deparo com mais absurdos praticados pela “autoridades” públicas deste país!

Por força do fatídico caso que envolveu a quebra do sigilo fiscal de José Serra e de seus familiares, divulgado amplamente na impressa nacional, foi editada, com urgência, a MP nº 507 (05/10/2010), que estabeleceu critérios e restrições aos atos praticados perante a Receita Federal, especialmente quanto ao acesso à informações fiscais, protegidas por sigilo.

Na seqüência, o Ilmo. Secretário da Receita Federal do Brasil (Sr. Otacílio Dantas Cartaxo) assinou a Portaria FRB nº 1.860 (11/10/2010) e, em seguida, a Portaria RFB nº 2.166 (05/11/2010), que revogou a anterior.

Dentre as novas regras criadas pelo Ilmo. Sr. Secretário, causa-me “surpresa” as que disciplinam a prática de atos através de advogado, especialmente quanto às defesas e recursos apresentados perante a Receita Federal.

Primeiramente, a nova Portaria (art. 7º) exige que somente as procurações públicas e específicas serão aceitas pela Receita Federal. Todavia, o art. 654 do Código Civil (que lhe é hierarquicamente superior) reconhece expressamente a validade da procuração particular (sem registro em cartório). Logo, sem qualquer amparo legal e a seu livre critério, o Ilmo. Sr. Secretário restringiu o alcance das regras do Código Civil, em evidente ofensa ao princípio da legalidade administrativa.

Do mesmo modo, o art. 655 do Código Civil permite a transferência de poderes de um advogado para outro (“substabelecimento”) através de instrumento particular, mesmo quando a procuração foi pública. No entanto, a malfadada Portaria (caput do art. 7º) determina que a Receita Federal só aceitará os substabelecimentos quando firmados por instrumento público.

Ademais, a tal Portaria (alínea “e” do inciso II do § 1º do art. 7º e o § único do art. 8º) limita a validade das procurações públicas ao prazo de 05 (cinco) anos, quando o próprio Código Civil (art. 682) não impõe tal limite, e permite a validade por prazo indeterminado.

Não bastasse a ofensa ao Código Civil, os critérios e restrições impostos pela nova Portaria também atentam contra o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), daí porque só consigo concluir que: (i) ou o Ilmo. Sr. Secretário desconhece as regras do Código Civil; (ii) ou está mal assessorado, do ponto de vista jurídico; (iii) ou simplesmente não dá a mínima para as regras do sistema jurídico brasileiro.

Não posso negar que a tal quebra de sigilo fiscal é algo abominável, que não pode ser admitida no nosso país. Todos devem procurar meios para evitar práticas criminosas como essa. Contudo, há de se respeitar também os demais direitos particulares já assegurados em lei.

Representantes da OAB, vocês calarão diante de tamanho absurdo jurídico? Não defenderão os direitos e prerrogativas dos advogados neste caso?

L. Gustavo Carvalho

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