segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Quanto mais rezo, mais assombração vejo !!!

Hoje quero escrever sobre o cooperativismo e o apoio que lhe deve ser dado por força do que determinada nossa Lei Maior: a Constituição Federal de 1988. O texto é mais longo do que os demais, mas objetivo.

Pois bem, o § 2º do art. 174 da Constituição Federal de 1988 determina que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo” (sic). Já o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988 impõe à Administração Pública o dever de assegurar a “igualdade de condições a todos os concorrentes” (sic) nos processo de licitação pública.

Mas, ao arrepio do que determina a nossa Constituição Federal, o Governo do Estado de São Paulo editou o Decreto nº 55.938, de 21.06.2010, que expressamente veda a participação de cooperativas em licitações promovidas pela Administração direta e indireta do Estado de São Paulo, nos seguintes termos:

DECRETO Nº 55.938, DE 21 DE JUNHO DE 2010
Artigo 1º - Fica vedada a participação de cooperativas nas licitações promovidas pela Administração direta e indireta do Estado de São Paulo quando, para a execução do objeto, for necessária a prestação de trabalho de natureza não eventual, por pessoas físicas, com relação de subordinação ou dependência.
Parágrafo único - Para os fins do disposto no "caput" deste artigo, não são passíveis de execução por meio de cooperativas, dentre outros, os seguintes serviços:
(...)
Palácio dos Bandeirantes, 21 de junho de 2010
ALBERTO GOLDMAN

Pra piorar a situação, a CGA (Corregedoria Geral da Administração) do Estado de São Paulo emitiu o COMUNICADO CGA nº 01/2010, em 25.06.2010, “recomendando” aos órgãos da administração pública estadual que a participação de cooperativas em licitações seja proibida, inclusive revogando os certames já realizados e que tenham sido vencidos por cooperativas.

Diante de tudo isso, sendo o sistema cooperativo autorizado e incentivado na Ordem Econômica da Constituição Federal de 1988, a discriminação perpetrada pelo Decreto nº 55.938/2010 (e pelo COMUNICADO CGA nº 01/2010) é tão grave quanto seria eventual proibição racial, por exemplo.

Tal Decreto afronta, de cara, o art. 5º da Lei Estadual Paulista nº 12.226/2006, que assegura às cooperativas o direito de participar livremente de licitações públicas, sem qualquer restrição e/ou discriminação, nos seguintes termos:

LEI ESTADUAL Nº 12.226/2006
Artigo 5º - Nas licitações promovidas pelo poder público do Estado de São Paulo, para prestação de serviços, obras, compras, publicidade, alienações e locações, participarão as cooperativas legalmente constituídas.

Mas para evitar atos abusivos desta natureza, foi editada a Lei nº 12.349, de 15.12.2010 – fruto da conversão da MP nº 495/2010 –, que deu nova redação ao caput e o inciso I do § 1º do art. 3º da Lei das Licitações (Lei nº 8.666/93), impondo a necessária observância ao princípio da igualdade e vedando a prática de ato administrativo que, de qualquer forma, comprometa, restrinja ou frustre o seu caráter competitivo de cooperativas nos processos licitatórios, vedando qualquer forma de discriminação nos seguintes termos:

LEI Nº 8.666/93
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)
§ 1º É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)
(...)
(grifo nosso)

Para mim, está evidente o absurdo praticado pelo Governo do Estado de São Paulo. Nesse sentido, inclusive, já se pronunciou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO. PARTICIPAÇÃO DE COOPERATIVA EM CERTAME. VIABILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEI N. 8.666/93. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O FEITO PELA PERDA DO OBJETO. HIPÓTESE DE JULGAMENTO DE MÉRITO DA LIDE. (...) 2. Edital de licitação que veda a participação de cooperativas de mão-de-obra, fere não só os artigos 5º e 37, XXI da CF/88, mas também o artigo 3º da Lei n. 8.666/93, na medida em que tal vedação constitui afronta aos Princípios da Isonomia e Finalidade de Seleção da proposta mais vantajosa. Deverá a administração fiscalizar o contratado e, eventualmente constatada a inadimplência dos encargos trabalhistas, ficais etc, providenciar o que de direito, pena de, aí sim, em face da negligência, responder pelo inadimplemento trabalhista/previdenciário, etc levado a efeito pela cooperativa que age como empresa privada e, com tal, em face da natureza de seu préstimo, deve assim ser considerada. (...) (Apelação Cível Nº 70022774806, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 10/12/2008)

Mas se já não bastasse o abuso, agora é a vez da Prefeitura de São Paulo, que editou o Decreto nº 52.091, de 19 de janeiro de 2011, nos mesmos termos do Decreto estadual nº 55.938/2010, também vedando a participação das cooperativas nos processos licitatórios nos seguintes termos:

DECRETO Nº 52.091, DE 19 DE JANEIRO DE 2011
Art. 1º - Fica vedada a participação de cooperativa de mão de obra nas licitações promovidas pela Administração Direta e Indireta do Município de São Paulo e/ou sua contratação, ainda que o objeto licitado ou contratado se enquadre na atividade direta e específica para a qual foi constituída, para a prestação de serviços ligados às suas atividades-meio, quando o trabalho a ser executado, por sua natureza, demandar execução em estado de subordinação e dependência, quer em relação ao fornecedor, quer em relação ao Município.
(...)
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 19 de janeiro de 2011, 457º da fundação de São Paulo. GILBERTO KASSAB – Prefeito

Ora, de que vale o § 2º do art. 174 da Constituição Federal que manda a lei apoiar o cooperativismo? Acho que não tem qualquer valor, pois boa parte dos “excelentíssimos” juízes paulistas vem confirmando a legalidade dessas vedações absurdas. Poucos são os que têm a coragem de assegurar o direito das cooperativas e de seus cooperados.

E quem são os grandes beneficiados com tais vedações? Resposta: as empresas de terceirização de mão-de-obra. Será que elas estão sendo “protegidas” pelo Governo do Estado de São Paulo? Em caso positivo, por que seria? Será que elas “apoiaram” (leia-se, custearam) a campanha política do atual Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB)? Vai saber ...

L. Gustavo Carvalho

Um comentário:

  1. Quero cumprimetá-lo pelo brilhante artigo. Afinal, é bom saber que no mundo jurídico existem profissionais como vc, fiel operador do direito.
    Trabalhei em um local em que me diziam, lei, ora lei, mas, nunca me deixei levar por tal expressão, pois era jovem. Hoje, com as decisões de nossa justiça, fico me indagando, para que existem as leis, se a vontade arbitrária de um agente público predomina. Para que se manter tantos deputados e senadores, se um governador não acolhe a lei emanada, que é "a vontade do povo"
    Parabéns, as leis estão aí para serem cumpridas e respeitada sobretudo sua hierarquia. Afinal, o artigo 3º da Lei 8.666/93, hoje alterada é ou não Norma Geral que prefeitos e governadores não atendem e nada acontece. O pior é que não obedecem com o aval do Poder Judiciário.
    Eu também quanto mais rezo, mais assombração me aparece.

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