sexta-feira, 22 de junho de 2012

ICMS. Substituição tributária. Responsabilidade solidária do substituído.

Quero comentar uma situação que ocorre no Estado de Alagoas (e que, certamente, ocorre em todos os outros Estados) relativamente à responsabilidade solidária atribuída aos comerciantes adquirentes de mercadorias advindas de outros Estados (operação interestadual), cujo ICMS está sujeito à substituição tributária “pra frente”, exigido do remetente.

Portanto, quero analisar o disposto no § único do art. 26 da Lei Estadual nº 5.900/96, que cria e atribui essa obrigação solidária ao contribuinte que recebe, de dentro ou de fora do Estado, mercadoria sujeita à substituição tributária, sem a retenção total na operação anterior.

Para melhor compreensão do problema, tomemos o seguinte caso hipotético:

- Empresa comercial X (substituída), sediada em Maceió (AL) compra produtos fabricados pela empresa fabricante Y (substituta tributária), sediada em São Paulo (SP), operação esta sujeita ao regime de substituição tributária do ICMS e exigido antecipadamente substituta (empresa paulista) por força de CONVÊNIO do CONFAZ;

- Na entrada do Estado de Alagoas, os agentes do Fisco alagoano verificam que a empresa Y, na condição de indústria, vendeu mercadorias para a empresa alagoas. Por isto, a empresa paulista assumiu a condição de substituta tributária pelo ICMS devido sobre as futuras vendas da substituída;

- Verifica-se também que o valor recolhido pela substituta a título de ICMS-ST foi inferior ao efetivamente devido (pagamento “a menor”);

- Diante disto, os agentes do Fisco alagoano lavram auto de infração contra a empresa alagoana (substituída) para exigir-lhe a diferença do ICMS-ST não recolhida pela empresa industrial paulista (substituta).

- Assim, com fundamento no § único do art. 26 da Lei Estadual nº 5.900/96, os agentes do Fisco alagoano atribuem à empresa alagoana (substituída) a responsabilidade solidária pelo recolhimento da diferença do ICMS-ST supostamente não recolhida pela empresa industrial paulista (substituta).

Ocorre que não se pode exigir esse tributo da substituída. Essa exigência fiscal é totalmente indevida. Isto porque, no regime da substituição tributária (do ICMS), a obrigação pelo pagamento do ICMS-ST é totalmente transferido ao responsável-substituto, ficando extinto o dever tributário originalmente imputado ao substituído.

Em matéria de direito tributário, a atribuição dessa obrigação tributária (responsabilidade tributária) a terceiro se dá unicamente por lei complementar (inciso III do art. 146 da CF).

Nesse sentido, atendendo ao que dispõe a Constituição Federal de 1988, o art. 128 do Código Tributário Nacional (CTN) – que possui status de Lei Complementar – fixou a regra geral da responsabilidade tributária, in verbis:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Aao atribuir a obrigação tributária a terceiro (responsabilidade), a obrigação do contribuinte original fica extinta, podendo a lei atribuir-lhe, no máximo, o seu dever supletivo/subsidiário (não em caráter solidário), e somente se a Lei Complementar assim expressamente determinar.

Por isso é que, em direito tributário, portanto, a solidariedade da obrigação somente é validamente admitida nas hipóteses do art. 124 do CTN, in verbis:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Ademais, as regras nacionais da substituição tributária do ICMS nas operações interestaduais se limitam a instituir a responsabilidade do industrial, sem tratar de qualquer dever supletivo do contribuinte, ou mesmo solidário.

Por isso, o § único do art. 26 da Lei Estadual nº 5.900/96 não dá legitimidade ou legalidade ao auto de infração narrado hipoteticamente. Quando atribui ao adquirente da mercadoria (substituído) o dever solidário pelo ICMS-ST nas operações interestaduais, esse dispositivo claramente cria uma regra que não pode ser criada por lei estadual. Só a Lei Complementar poderia fazê-lo, mas não o fez. Nesse sentido, inclusive é o entendimento consolidado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (AgRg no Ag 1359231/SC).

Ao criar hipótese de responsabilidade solidária não prevista no art. 124 do CTN, o legislador ordinário alagoano usurpou a sua competência legislativa em matéria tributária, delineada na Constituição Federal de 1988.

Pois bem, sendo assim, o dever tributário pelo recolhimento do ICMS-ST em questão recai somente sobre a empresa industrial paulista, na condição de responsável tributário (substituto), não existindo qualquer dever supletivo ou solidário da empresa alagoana, que figura como substituída. Inclusive, é exatamente essa a orientação da PRIMEIRA SEÇÃO do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (EDcl no REsp 931.727/RS).

Daí se conclui, portanto, que (i) o Fisco alagoano deve buscar a diferença junto ao substituto; (ii) o substituído não responde pelo débito, porque não é sujeito passivo dessa relação jurídica tributária; (iii) em todos os casos de substituição legal tributária, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto, e nunca o substituído; (iv) inexiste relação jurídica entre o substituído e Estado.

Ademais, no presente caso, não há “interesse comum” (inciso I do art. 124 do CTN) entre as partes envolvidas na operação. Na verdade, seus interesses são antagônicos, eis que figuram em lados opostos da relação comercial que firmaram; um é contratante e ou o outro contratado; um quer pagar menos e o outro quer receber mais; elas não são partes de uma única ou mesma organização econômica; não pertencerem ao mesmo grupo econômico; etc.

O interesse comum não se dá simplesmente pelo fato de terem celebrado um contrato, comprador e vendedor. Inclusive o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1ª e 2ª Turmas) possui entendimento no sentido de ser possível, por exemplo, não haver interesse comum entre empresas mesmo quando elas pertençam a um mesmo grupo econômico e que isto, por si só, não implica tal “interesse” (AgRg no Ag 1055860/RS e REsp 1001450/RS).

Portanto, nesses casos, restaria ao Fisco alagoano perseguir as empresas substitutas para buscar o ICMS-ST, mas não o faz, preferindo exigir o tributo das empresas alagoanas (substituídas), as quais, na mais das vezes, por desconhecimento dos argumentos jurídicos aqui expostos, acabam efetuando o pagamento dessa dívida, indevidamente.

L. Gustavo Carvalho
gustavo@cfmmadvogados.com.br
lgcarvalho@usp.br
@lg_carvalho

LUIZ GUSTAVO CARVALHO é advogado (Carvalho, Fontan, Maia, Messias – Advogados Associados), mestrando em direito tributário pela USP e professor-tutor curso de especialização lato sensu em direito tributário no IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) em Maceió (AL), pós-graduado em auditoria e perícia e possui formação complementar em F&A (Fusões e Aquisições) pela EAESP (Escola de Administração de Empresa de São Paulo) da FGV. Já atuou como advogado sênior tributário do escritório de Leite, Tosto e Barros Advogados Associados (São Paulo, SP), Procurador-Chefe Fiscal do Município de Maceió, Procurador-Geral do Município de Marechal Deodoro (AL), professor de direito tributário da Rede de Ensino LFG, professor-monitor no curso de especialização lato sensu em direito tributário da USP e como professor palestrante no curso de especialização lato sensu (presencial) em direito tributário e direito processual tributário da Faculdade de Direito Damásio de Jesus (FDDJ)

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