Portanto, quero analisar o disposto no §
único do art. 26 da Lei Estadual nº 5.900/96, que cria e atribui essa obrigação
solidária ao contribuinte que recebe, de dentro ou de fora do Estado,
mercadoria sujeita à substituição tributária, sem a retenção total na operação
anterior.
Para melhor compreensão do problema, tomemos
o seguinte caso hipotético:
- Empresa comercial X
(substituída), sediada em Maceió (AL) compra produtos fabricados pela empresa
fabricante Y (substituta tributária), sediada em São Paulo (SP), operação esta
sujeita ao regime de substituição tributária do ICMS e exigido antecipadamente
substituta (empresa paulista) por força de CONVÊNIO do CONFAZ;
- Na entrada do
Estado de Alagoas, os agentes do Fisco alagoano verificam que a empresa Y, na
condição de indústria, vendeu mercadorias para a empresa alagoas. Por isto, a
empresa paulista assumiu a condição de substituta tributária pelo ICMS devido
sobre as futuras vendas da substituída;
- Verifica-se também
que o valor recolhido pela substituta a título de ICMS-ST foi inferior ao
efetivamente devido (pagamento “a menor”);
- Diante disto, os
agentes do Fisco alagoano lavram auto de infração contra a empresa alagoana
(substituída) para exigir-lhe a diferença do ICMS-ST não recolhida pela empresa
industrial paulista (substituta).
- Assim, com fundamento
no § único do art. 26 da Lei Estadual nº 5.900/96, os agentes do Fisco alagoano
atribuem à empresa alagoana (substituída) a responsabilidade solidária pelo
recolhimento da diferença do ICMS-ST supostamente não recolhida pela empresa
industrial paulista (substituta).
Ocorre que não se pode exigir esse tributo da
substituída. Essa exigência fiscal é totalmente indevida. Isto porque, no
regime da substituição tributária (do ICMS), a obrigação pelo pagamento do
ICMS-ST é totalmente transferido ao responsável-substituto, ficando extinto o
dever tributário originalmente imputado ao substituído.
Em matéria de direito tributário, a
atribuição dessa obrigação tributária (responsabilidade tributária) a terceiro
se dá unicamente por lei complementar (inciso III do art. 146 da CF).
Nesse sentido, atendendo ao que dispõe a
Constituição Federal de 1988, o art. 128 do Código Tributário Nacional (CTN) –
que possui status de Lei Complementar – fixou a regra geral da responsabilidade
tributária, in verbis:
Art. 128. Sem
prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a
responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato
gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte
ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da
referida obrigação.
Aao atribuir a obrigação tributária a
terceiro (responsabilidade), a obrigação do contribuinte original fica extinta,
podendo a lei atribuir-lhe, no máximo, o seu dever supletivo/subsidiário (não
em caráter solidário), e somente se a Lei Complementar assim expressamente
determinar.
Por isso é que, em direito tributário,
portanto, a solidariedade da obrigação somente é validamente admitida nas hipóteses
do art. 124 do CTN, in verbis:
Art. 124. São
solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que
tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação
principal;
II - as pessoas
expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A
solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
Ademais, as regras nacionais da substituição
tributária do ICMS nas operações interestaduais se limitam a instituir a
responsabilidade do industrial, sem tratar de qualquer dever supletivo do
contribuinte, ou mesmo solidário.
Por isso, o § único do art. 26 da Lei
Estadual nº 5.900/96 não dá legitimidade ou legalidade ao auto de infração
narrado hipoteticamente. Quando atribui ao adquirente da mercadoria
(substituído) o dever solidário pelo ICMS-ST nas operações interestaduais, esse
dispositivo claramente cria uma regra que não pode ser criada por lei estadual.
Só a Lei Complementar poderia fazê-lo, mas não o fez. Nesse sentido, inclusive
é o entendimento consolidado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (AgRg no Ag
1359231/SC).
Ao criar hipótese de responsabilidade
solidária não prevista no art. 124 do CTN, o legislador ordinário alagoano
usurpou a sua competência legislativa em matéria tributária, delineada na
Constituição Federal de 1988.
Pois bem, sendo assim, o dever tributário
pelo recolhimento do ICMS-ST em questão recai somente sobre a empresa
industrial paulista, na condição de responsável tributário (substituto), não
existindo qualquer dever supletivo ou solidário da empresa alagoana, que figura
como substituída. Inclusive, é exatamente essa a orientação da PRIMEIRA SEÇÃO
do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (EDcl no REsp 931.727/RS).
Daí se conclui, portanto, que (i) o Fisco
alagoano deve buscar a diferença junto ao substituto; (ii) o substituído não
responde pelo débito, porque não é sujeito passivo dessa relação jurídica
tributária; (iii) em todos os casos de substituição legal tributária, o único
sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica
reveste-se de natureza tributária) é o substituto, e nunca o substituído; (iv)
inexiste relação jurídica entre o substituído e Estado.
Ademais, no presente caso, não há “interesse
comum” (inciso I do art. 124 do CTN) entre as partes envolvidas na operação. Na
verdade, seus interesses são antagônicos, eis que figuram em lados opostos da
relação comercial que firmaram; um é contratante e ou o outro contratado; um
quer pagar menos e o outro quer receber mais; elas não são partes de uma única
ou mesma organização econômica; não pertencerem ao mesmo grupo econômico; etc.
O interesse comum não se dá simplesmente pelo
fato de terem celebrado um contrato, comprador e vendedor. Inclusive o SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1ª e 2ª Turmas) possui entendimento no sentido de ser
possível, por exemplo, não haver interesse comum entre empresas mesmo quando
elas pertençam a um mesmo grupo econômico e que isto, por si só, não implica
tal “interesse” (AgRg no Ag 1055860/RS e REsp 1001450/RS).
Portanto, nesses casos, restaria ao Fisco
alagoano perseguir as empresas substitutas para buscar o ICMS-ST, mas não o
faz, preferindo exigir o tributo das empresas alagoanas (substituídas), as
quais, na mais das vezes, por desconhecimento dos argumentos jurídicos aqui
expostos, acabam efetuando o pagamento dessa dívida, indevidamente.
L.
Gustavo Carvalho
gustavo@cfmmadvogados.com.br
lgcarvalho@usp.br
@lg_carvalho
LUIZ GUSTAVO CARVALHO é advogado
(Carvalho, Fontan, Maia, Messias – Advogados Associados), mestrando em direito
tributário pela USP e professor-tutor curso de especialização lato sensu em direito tributário no IBET
(Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) em Maceió (AL), pós-graduado em
auditoria e perícia e possui formação complementar em F&A (Fusões e
Aquisições) pela EAESP (Escola de Administração de Empresa de São Paulo) da
FGV. Já atuou como advogado sênior tributário do escritório de Leite, Tosto e
Barros Advogados Associados (São Paulo, SP), Procurador-Chefe Fiscal do
Município de Maceió, Procurador-Geral do Município de Marechal Deodoro (AL), professor
de direito tributário da Rede de Ensino LFG, professor-monitor no curso de
especialização lato sensu em direito
tributário da USP e como professor palestrante no curso de especialização lato sensu (presencial) em direito
tributário e direito processual tributário da Faculdade de Direito Damásio de
Jesus (FDDJ)
Nenhum comentário:
Postar um comentário